Documentários inspiram filmes brasileiros


Cada vez mais os filmes nacionais se inspiram nos temas e na linguagem dos documentários. Três estréias deste meio de ano - ''Linha de Passe'', ''Era uma Vez...'' e ''Última Parada, 174''- reafirmam essa tendência

Qual será o Tropa de Elite de 2008 o filme capaz de arrebatar o público, pautar as discussões do país, provocar (e eventualmente dividir) críticos e cronistas? Existe uma grande possibilidade de que seja um dos três grandes lançamentos programados para este meio de ano. Era uma Vez..., que acaba de entrar em cartaz, tem a credencial de ser de Breno Silveira, o cineasta responsável pelo maior sucesso de público do ano passado, 2 Filhos de Francisco. O novo filme de Breno é mais ambicioso do que o anterior em termos artísticos, e o diretor disse em entrevistas que pretendia fazer uma espécie de Cidade de Deus mais intimista. Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, tem estréia prevista para o fim deste mês. Nos créditos, um dos mais bem-sucedidos diretores do país com Central do Brasil (1999), ganhou o Urso de Ouro no festival de Berlim, o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, e foi indicado ao Oscar na mesma categoria. Linha de Passe estréia com uma belíssima credencial: o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, dado à paulistana Sandra Corveloni. Última Parada, 174, de Bruno Barreto, é a transposição para o cinema ficcional do documentário Ônibus 174, de José Padilha o mesmo diretor de Tropa de Elite. Barreto é o campeão de audiência do cinema brasileiro. É responsável pela maior bilheteria de um filme nacional em todos os tempos, Dona Flor e Seus Dois Maridos, que levou 12 milhões de espectadores aos cinemas no fim dos anos 70. Também contabiliza uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro por O Que É Isso, Companheiro?, em 1998.
Dados o histórico e o estilo dos diretores dos três títulos, é legítimo esperar por filmes bastante diferentes. Uma coisa, no entanto, eles têm em comum: o parentesco com o documentário. Em entrevistas sobre Linha de Passe, Walter Salles disse que se baseou em dois filmes do gênero dirigidos por seu irmão, João Moreira Salles: Futebol (1998), em parceria com Arthur Fontes, e Santa CruzEra uma Vez... em estúdio, para mostrar a realidade da favela carioca do morro do Cantagalo, em Ipanema, onde se passa a trama. Disse também que durante as filmagens se baseou, em larga medida, nos ensinamentos de um de seus mestres, o documentarista Eduardo Coutinho, com quem trabalhou (como câmera) em Santa Marta Duas Semanas no Morro, filme de 1987. Bruno Barreto criou o roteiro de seu Última Parada, 174 a partir do documentário brasileiro mais laureado em todos os tempos, Ônibus 174, de José Padilha que arrebatou nada menos do que 23 prêmios, entre eles um Emmy, o Oscar da televisão americana. "O documentário do Padilha me instigou a fazer o filme. Ele me deixou curiosíssimo", diz Bruno Barreto. (2000), em parceria com Marcos Sá Corrêa. "Esses dois documentários enraizaram o filme. Eles nos permitiram entender o quanto os mundos do futebol e da religião são complexos no Brasil", disse Walter, no mês passado, no Rio de Janeiro, Breno Silveira contou como ignorou a sugestão para filmar. A imbricação do atual cinema brasileiro de ficção com o documentário é tão profunda que se pode falar em tendência, da qual os três filmes que estréiam neste meio de ano são apenas a manifestação mais recente. "Há várias coisas do cinema de ficção brasileiro atual que remetem ao documentário", diz o cineasta João Moreira Salles. "A utilização da paisagem real, a recusa do estúdio, a aceitação da luz brasileira. E também o trabalho de cineastas com atores não profissionais, muitas vezes pertencentes às regiões retratadas nos filmes." Esse fenômeno observado por João pode ser rastreado nas duas produções mais bem-sucedidas do cinema brasileiro recente. Cidade de Deus (1998), de Fernando Meirelles, tira sua força justamente do trabalho com atores iniciantes, que viviam em comunidades parecidas com a retratada no filme e levaram, assim, suas experiências de vida para a tela. Tropa de Elite (2007) tem como protagonista o Capitão Nascimento, personagem de ficção claramente decalcado no Capitão Pimentel, que aparece no documentário Notícias de uma Guerra Particular (2000), de João Moreira Salles e Katia Lund. "Alguns dos nossos cineastas de ficção decidiram retratar a realidade em seus filmes por causa dos documentários. Foram, de certa maneira, pautados por eles", diz José Padilha, diretor de Tropa de Elite. Ele tem razão. Mas a união entre ficção e documentário vai muito além da utilização dos mesmos temas. A influência também se dá na maneira de filmar, na linguagem cinematográfica e no modo de tratar os temas.

Fonte: Revista Bravo!

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